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A crise da inteligência: como o cinema de super-heróis está subestimando o público

O recente lançamento de dois dos blockbusters mais aguardados do ano, “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” e “Superman” (2025) de James Gunn, deveria representar o renascimento do cinema de super-heróis. Em vez disso, a recepção morna de ambos os filmes expõe uma ferida aberta na indústria cinematográfica: a crescente tendência de subestimar a inteligência do público, especialmente das crianças, em nome de uma acessibilidade mal compreendida.

O Fenômeno da Simplificação Excessiva

As críticas a ambos os filmes seguem um padrão preocupante: roteiros previsíveis, humor forçado, ausência de sutileza e diálogos que explicam excessivamente cada situação. O que mais chama atenção não é apenas a mediocridade técnica, mas a aparente crença dos produtores de que o público – particularmente o infantil – precisa que tudo seja mastigado e entregue sem qualquer exigência de interpretação.

Esta abordagem reflete uma mudança na filosofia de produção de Hollywood. Onde antes existia confiança na capacidade do público de acompanhar narrativas complexas, ironia sutil e camadas de significado, agora prevalece o medo de que qualquer elemento que demande reflexão seja automaticamente rejeitado.

A Inteligência Subestimada das Crianças

A decadência da qualidade cinematográfica devido à falta de crença dos produtores na inteligência das crianças toca no cerne de um problema maior. A indústria parece ter esquecido que crianças são naturalmente curiosas, perspicazes e capazes de processar informações complexas quando apresentadas de forma adequada.

A frustração com essa tendência fica evidente no relato do dublador brasileiro Alan Robson Oliveira, que expressa o desapontamento de uma geração inteira de fãs:

“Quem acompanha o homem de aço desde a infância sempre espera que um filme supere o anterior. Infelizmente não fui feliz na minha última ida ao cinema. A gente se frustra quando cria muita expectativa. Superman passou longe de agradar até a criança mais ingênua. Um filme com efeitos especiais que não impressionaram em nada. Enredo parecia ter sido gerado por um amador, utilizando o ChatGPT. Sem piadas, quase nenhuma frase irônica. Nosso herói começa o filme apanhando de um robô voador, sangrando, o homem de aço sangrando, com ossos quebrados, precisando da luz do sol pra se recuperar, e ainda é considerado um alienígena.”

O depoimento de Alan ilustra perfeitamente como a simplificação excessiva falha até mesmo com o público mais jovem. Quando ele observa que o filme “passou longe de agradar até a criança mais ingênua”, está destacando que nem mesmo a audiência supostamente “menos exigente” aceita passivamente a mediocridade disfarçada de entretenimento familiar.

A Perda da Sutileza Cinematográfica

Steven Moffat, roteirista de “Doctor Who”, sempre defendeu que não devemos subestimar as crianças e sua capacidade de compreensão. Essa filosofia se reflete em produções que respeitam a inteligência infantil e oferecem camadas de interpretação que crescem junto com o espectador.

A observação sobre a falta de “comentários irônicos, ambíguos, espertos” nos filmes indica mais uma queda da sofisticação narrativa. Denis Villeneuve já alertou que “o cinema foi corrompido pela televisão”, referindo-se à tendência de explicar tudo através de diálogos expositivos em vez de contar histórias visualmente.

Esta simplificação não é acidental. É o resultado de uma indústria que prioriza o alcance global acima da profundidade artística. Atitude é tomada temendo que nuances culturais ou linguísticas comprometam a rentabilidade internacional.

O Círculo Vicioso da Preguiça Criativa

A frustração expressa pelos espectadores de ambos os filmes revela um público sedento por conteúdo mais inteligente e desafiador. No entanto, a indústria interpreta mal essa demanda, respondendo com ainda mais simplificação em vez de elevar o padrão de qualidade.

Hollywood desenvolveu uma “fórmula de bolo” para produções de super-heróis: efeitos visuais espetaculares, humor formulaico, conflitos previsíveis e resoluções que não exigem qualquer esforço interpretativo do espectador. Esta abordagem não apenas desrespeita a inteligência do público, mas também inibe o desenvolvimento do senso crítico, especialmente entre os mais jovens.

Quando o cinema subestima seu público, cria-se uma geração de espectadores que não desenvolve capacidades críticas e interpretativas. Crianças expostas a conteúdo excessivamente simplificado podem ter sua maturidade intelectual retardada, privadas de desenvolver habilidades essenciais de análise e reflexão.

Esta tendência é particularmente preocupante quando consideramos que o cinema de super-heróis representa uma parcela significativa do entretenimento consumido por crianças e adolescentes. Ao oferecer apenas narrativas rasas e explicações óbvias, a indústria priva esses espectadores de experiências que poderiam estimular seu desenvolvimento cognitivo.

O Caminho de Volta

A solução não passa por tornar os filmes inacessíveis ou herméticos, mas por redescobrir o equilíbrio entre acessibilidade e inteligência. Produções como as primeiras fases da Marvel ou os principais filmes da Pixar demonstram que é possível criar conteúdo que funciona em múltiplas camadas – divertindo crianças na superfície enquanto oferece profundidade para adultos.

O público está pronto para essa mudança. As críticas negativas a “Quarteto Fantástico” e “Superman” não refletem fadiga de super-heróis, mas sim fome por narrativas mais sofisticadas e respeitosas com a inteligência do espectador.

A mediocridade dos recentes lançamentos de super-heróis não é apenas um problema cinematográfico isolado – é sintoma de uma indústria que perdeu a confiança na inteligência de seu público. Enquanto os produtores continuarem acreditando que precisam explicar tudo, mastigar cada piada e telegrafar cada reviravolta, estaremos privando toda uma geração da rica experiência que o cinema pode oferecer.

É hora de a indústria redescobrir que confiar na inteligência do público – especialmente das crianças – não é um risco, mas sim a chave para criar entretenimento verdadeiramente memorável e transformador. Afinal, como demonstram os clássicos do cinema, as melhores histórias são aquelas que nos desafiam a pensar, não aquelas que traçam o pensamento por nós.

Guilherme Oliveira

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