Amazonas

Saúde indígena em estado precário, nepotismo e desvio de verbas são denunciados ao MPAM

EIRUNEPÉ (AM) – Uma denúncia encaminhada ao Ministério Público Federal do Amazonas acusa a coordenadora distrital de saúde indígena, Ercília da Silva Vieira, de cometer desvios de verbas públicas e praticar assédio moral contra servidores no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Médio Rio Solimões e Afluentes.

Segundo o documento, assinado por lideranças indígenas e servidores, recursos destinados à construção de unidades básicas de saúde no Polo Base Eirunepé teriam sido utilizados sem que as obras fossem efetivamente executadas. No local onde supostamente deveria existir uma UBS, há apenas uma choupana de madeira em condições precárias.

“Conforme imagens anexas, no local onde supostamente seria construída ou reformada uma Unidade Básica de Saúde, o que se verifica é a total ausência […] existindo ali apenas uma choupana de madeira em condições precárias”.

Estrutura que deveria ser uma UBS de alvenaria (Foto: Divulgação)

Além disso, há relatos de aquisição de materiais de construção e equipamentos para obras que não foram realizadas, o que configura, segundo a denúncia, ato de improbidade administrativa. As denúncias apontam ainda distribuição de vales-combustível para aliados políticos, prática que “configura, em tese, abuso de poder econômico e político, além de desvio de finalidade na aplicação de verbas públicas”.

Trecho da denúncia

Outro ponto grave citado na denúncia são as diversas acusações de assédio moral praticadas por Ercília contra subordinados, envolvendo humilhações, ameaças e exposições vexatórias, causando impactos psicológicos e problemas de saúde nos trabalhadores. Segundo o documento, o assédio moral se manifesta “por meio de condutas abusivas, reiteradas e prolongadas, que expõem o trabalhador a situações humilhantes e vexatórias, acarretando danos à saúde física e mental da vítima, prejudicando seu desempenho profissional e sua integração no ambiente de trabalho”.

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“O assédio moral, manifestado por meio de condutas abusivas, reiteradas e prolongadas, atenta contra a dignidade da pessoa humana e os princípios basilares do estado democrático de direito”, diz outro trecho da denúncia.

Pacientes trancados sem assistência médica durante a noite

Relatos obtidos pelo JIRAU NEWS apontam que pacientes ficam trancados durante a noite nas Casas de Saúde Indígena (CASAI) de polos como Pixuna, sem a presença de técnicos ou enfermeiros para prestar atendimento. Em um dos casos, um homem tentou tirar a própria vida e uma paciente recém-operada passou mal. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) precisou arrombar a porta para realizar o socorro, já que o portão estava trancado e não havia funcionários de plantão.

“Essa situação acontece há anos. Durante o dia tem equipe, mas à noite ninguém fica. Eles alegam falta de funcionários”, disse uma fonte que prefere não ser identificada. Mesmo após denúncias recentes, não houve mudanças efetivas para garantir o plantão noturno.

Nepotismo e favorecimento em contratações

Além da falta de atendimento, a coordenadora é acusada de nepotismo ao favorecer parentes e amigos em processos seletivos federais destinados à contratação de profissionais para atuação nos polos indígenas. “A maioria dos contratados são amigos ou parentes dela, inclusive o neto, que foi colocado como coordenador de polo dentro da CASAI”, afirma a denúncia.

Os cargos beneficiados incluiriam técnicos de enfermagem, enfermeiros, dentistas e psicólogos, comprometendo o princípio da impessoalidade na administração pública.

Um ofício foi encaminhado à Promotoria de Justiça de Tefé solicitando a apuração de possíveis irregularidades nos processos seletivos realizados pela antiga conveniada Missão Evangélica Caiuá e pela atual gestora AgSUS para contratação de profissionais de saúde no município.

O documento aponta indícios de favorecimento pessoal e falta de critérios técnicos claros nas seleções, citando casos como o da enfermeira Elizaneife Deixas e do enfermeiro Fábio, que teriam sido contratados sem experiência comprovada, em detrimento de candidatos com ampla formação e atuação na área. O ofício pede a investigação de eventuais fraudes, apadrinhamento ou direcionamento nos processos e a responsabilização dos envolvidos.

Documento encaminhado ao MPAM

Advogados bolsistas atuando irregularmente

Outro trecho da denúncia aponta que Ercília estaria utilizando advogados bolsistas sem autorização legal para atuação em áreas indígenas, com o objetivo de intimidar lideranças e moradores que denunciam a situação precária dos atendimentos. “Eles andam com ela para tentar calar quem reclama, mas nem podem atuar ali. Eles não são advogados contratados pelo distrito, são bolsistas”, relatou a fonte.

A denúncia destaca ainda a precariedade das lanchas usadas no transporte de equipes e pacientes pelos rios da região, colocando vidas em risco durante as viagens, especialmente em períodos de cheia ou fortes correntezas.

Aquisição milionária de materiais para construção sem execução das obras

Os documentos obtidos mostram que, em janeiro de 2024, o DSEI Médio Rio Solimões e Afluentes empenhou R$ 199 mil para a empresa Guanabara Materiais de Construção Ltda, via dispensa de licitação, para reforma e manutenção das unidades de saúde indígena no Polo Base Eirunepé. Entre os itens adquiridos estão vergalhões, revestimentos cerâmicos, sumidouros, placas de gesso acartonado e madeiras nobres como garapeira, cambará e maçaranduba.

Empenho 22 Guanabara material de construção


Demanda previa reformas em cinco polos indígenas

Segundo o Documento de Formalização da Demanda nº 1196/2022, o objetivo da aquisição era reformar cinco polos de saúde indígena nas comunidades Degredo, Manduca, Flexeira, Estirão e Paraíso, além do polo de Eirunepé. O documento destaca que as unidades estavam em “estado crítico de conservação” e que a falta de manutenção impactava diretamente a saúde indígena, obrigando remoções para a cidade em casos de urgência.


Dispensa de licitação facilitou a compra emergencial

A contratação foi feita por dispensa de licitação, modalidade prevista em lei, mas que abre margem para contratações sem concorrência pública. No processo, a justificativa utilizada pelo DSEI foi a de que as reformas eram emergenciais para garantir condições mínimas de saúde e saneamento aos povos indígenas.

A fonte informou que enviará ao Ministério Público Federal notas fiscais que comprovam os repasses de recursos federais destinados às obras não realizadas.

A reportagem questionou a coordenadora sobre as supostas irregularidades e acusações contra a gestão, mas não obteve resposta até a publicação da matéria. A assessoria respondeu encaminhando o e-mail do Ministerio da Saúde para quem reenviamos os questionamentos, mas não tivemos resposta.

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Aldizangela Brito

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