MANAUS (AM) – Com origem nos movimentos sociais, de negritude e com compromisso polรญtico na defesa dos interesses nรฃo sรณ da populaรงรฃo negra, mas tambรฉm da comunidade LGBTIAP+ e das mulheres, Michelle Andrews (PCdoB) รฉ uma das grandes apostas da Federaรงรฃo Brasil da Esperanรงa, para quebrar o ciclo de ausรชncia da representatividade na Cรขmara Municipal de Manaus (CMM).
Mulheres sรฃo a maioria da populaรงรฃo em Manaus, capital do Amazonas, na Regiรฃo Norte do paรญs. Conforme os dados do Censo 2022, 51,6% da populaรงรฃo da cidade รฉ composta por mulheres. Ainda assim, essa parcela da populaรงรฃo รฉ pouco representada, principalmente quando se trata de pautas progressistas e antirracistas dentro da Cรขmara Municipal.
Mulher negra e perifรฉrica, com uma longa trajetรณria de luta nos movimentos sociais e de negritude, a produtora cultural Michelle Andrews estรก disputando o pleito eleitoral de 2024. A sua narrativa รฉ de que รฉ preciso ter coragem para “Movimentar Manaus”, o nome do coletivo social e polรญtico que estรก atuando nas mobilizaรงรตes para eleger a primeira vereadora negra realmente engajada nos movimentos de negritude da cidade. Entre os coletivos que a apoiam, estรฃo a Uniรฃo da Juventude Socialistas (UJS-AM), a Uniรฃo de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro-AM), alรฉm de 65 lideranรงas comunitรกrias que atuam nos bairros perifรฉricos da cidade, artistas e produtores culturais.
“A minha forma de fazer polรญtica รฉ esperanรงar”, diz Michelle, que adotou a coletividade em sua caminhada polรญtica, dando voz aos comunitรกrios e artistas de seu territรณrio. “Nรฃo irei sozinha ocupar os espaรงos da polรญtica institucional. Levarei ao meu lado a coletividade, as comunidades, a classe cultural, a negritude, as mulheres e as crianรงas. A nossa polรญtica รฉ feita de forma coletiva, com afeto e com o pรฉ na porta para cobrar o que temos direito”, afirma a candidata.
No seu histรณrico polรญtico, Michelle jรก participou de eleiรงรตes na cidade com resultados expressivos. Em 2020, ela e mais quatro mulheres se reuniram para disputar o pleito com a “Bancada Coletiva”, o primeiro projeto coletivo polรญtico de mulheres do Amazonas, que rendeu mais de 7 mil votos. Jรก em 2022, Michelle integrou a “Bancada das Manas”, que alcanรงou a marca de 11 mil votos, sendo as mulheres mais votadas da Federaรงรฃo Brasil da Esperanรงa. Em 2020 nรฃo foi eleita, pois o partido nรฃo atingiu quociente eleitoral. Em 2022 jรก nos quadros do PCdoB encontra-se como suplente a cadeira de Deputada Estadual do Amazonas na legislatura 2022/2026.
Diante da visibilidade e do crescimento das mobilizaรงรตes realizadas por movimentos sociais e projetos polรญticos coletivos, como o “Manaus em Movimento”, o nome de Michelle se destaca entre as candidaturas pela Federaรงรฃo Brasil da Esperanรงa, sendo frequentemente mencionado nas anรกlises polรญticas da cidade.
Desafios e falta de representatividade
Segundo o Estatuto da Igualdade Racial, a populaรงรฃo negra รฉ composta por pessoas autodeclaradas pretas e pardas, seguindo o quesito cor/raรงa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatรญstica (IBGE). Atualmente, quatro mulheres ocupam o poder legislativo municipal, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trรชs autodeclaradas pardas. Ou seja, que concorrem ร s eleiรงรตes como mulheres negras, mas que estรฃo distantes de representar os interesses da populaรงรฃo negra em Manaus.
Para a mestranda em Serviรงo Social e Sustentabilidade na Amazรดnia, Nicole Fernandes, que pesquisa sobre a representaรงรฃo polรญtica de mulheres negras em partidos, considerando o sistema patriarcal-racista-capitalista, hรก uma diferenรงa entre representaรงรฃo e representatividade. “Ambas sรฃo importantes, entretanto, a segunda exige mais do que apenas ocupaรงรฃo de assentos na CMM ou em qualquer outro espaรงo. A representatividade exige compromisso polรญtico com a mudanรงa nas esferas de poder, utilizando o mandato como instrumento de transformaรงรฃo da realidade da populaรงรฃo que a candidata representa”, explica Fernandes.
Ela ainda acrescenta que candidaturas com histรณrico de atuaรงรฃo em movimentos sociais trazem para as casas legislativas um olhar diferente para seus territรณrios. “Quando pessoas com o perfil de compromisso da Michelle ocupam a polรญtica, elas trazem um olhar diferenciado para a elaboraรงรฃo de polรญticas e projetos, o que tem impactos positivos em suas comunidades e na populaรงรฃo de modo geral. Essa รฉ a importรขncia de eleger mulheres negras com compromisso polรญtico de transformaรงรฃo como vereadoras”, afirma.
Violรชncia polรญtica de gรชnero
Mulheres negras na polรญtica enfrentam desafios como o subfinanciamento de campanhas, candidaturas laranjas e diversas formas de violรชncia polรญtica, incluindo assรฉdio moral e sexual.
Para Michelle, disputar as eleiรงรตes รฉ necessรกrio, principalmente como uma ferramenta para combater as diversas formas violentas que o sistema utiliza contra candidaturas de mulheres. “A polรญtica รฉ, sem dรบvida, um dos espaรงos mais violentos para as mulheres, especialmente para nรณs, mulheres negras, que enfrentamos uma sรฉrie de desafios para estar no meio polรญtico. ร por isso que รฉ tรฃo urgente fortalecer as comissรตes de combate ร violรชncia polรญtica de gรชnero e garantir que essas prรกticas criminosas sejam severamente punidas. Nรฃo podemos falar de democracia enquanto nossa participaรงรฃo for limitada e violentada dessa forma”, afirma.
Quando o assunto รฉ violรชncia polรญtica de gรชnero, a pesquisadora Fernandes aponta diversos limitadores, como o fato de muitas dessas mulheres precisarem equilibrar o trabalho formal ou informal com os cuidados familiares, o que limita o tempo e os recursos disponรญveis para se dedicarem ร vida pรบblica. Essa sobrecarga demonstra que a subrepresentaรงรฃo nรฃo decorre da falta de interesse, mas das dificuldades que enfrentam para garantir sua sobrevivรชncia antes de disputar um espaรงo na polรญtica.
“ร perceptรญvel que o limitador para o acesso das mulheres negras ร vida polรญtica/pรบblica รฉ a sobrecarga, evidenciando que a subrepresentaรงรฃo nรฃo se dรก por falta de interesse na polรญtica, mas pela necessidade de priorizar e lidar com suas condiรงรตes bรกsicas de sobrevivรชncia antes de disputar a polรญtica. Equilibrar esses ‘pratinhos’ รฉ altamente desgastante, mas temos observado saรญdas coletivas para driblar esses desafios”, comenta.
Para Alessandrine Silva, vice-presidente da Comissรฃo de Direitos Humanos da OAB, a falta de representatividade e, principalmente, a violรชncia polรญtica de gรชnero devem ser vistas como racismo estrutural. “O Brasil impรตe ร s mulheres negras o racismo estrutural desde recรฉm-nascidas, e diversos รญndices apontam que a mulher negra รฉ vรญtima das piores mazelas que existem. Quando a mulher negra consegue sobreviver a essas violรชncias e refletir sobre sua posiรงรฃo nesse tabuleiro polรญtico, ela transgride e passa a ser alvo de uma das mais covardes formas de aniquilamento, que รฉ a violรชncia polรญtica de gรชnero e raรงa, e รฉ isso que precisamos enfrentar mais comumente nesses espaรงos”, elucida.
Pautas principais
Entre suas pautas principais, a defesa das mulheres, a promoรงรฃo da cultura e a luta antirracista sรฃo as principais bases de suas propostas. Alรฉm disso, Michelle reuniu pesquisadores, profissionais, comunicadores, ativistas e lรญderes comunitรกrios para criar propostas focadas na crise climรกtica. Atรฉ o momento, a candidata jรก realizou mais de 400 reuniรตes nas periferias da cidade, alรฉm de promover eventos para discutir polรญticas pรบblicas para o setor cultural, mulheres, juventude e movimentos sociais, incluindo a assinatura de cartas de compromisso com as mulheres, tratando de temas como maternidade e infรขncia.
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